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24 de Abril de 2024
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    A natureza jurídica e o valor do laudo da equipe interprofissional

    há 12 anos

    Mauro Campello *

    Em meu último ensaio, publicado nesta coluna em 18.06.2012, sob o título A existência de uma equipe interprofissional na vara da infância e da juventude, abordei a trajetória de formação da mencionada equipe na então justiça tutelar brasileira e justifiquei sua existência na complexidade das questões ligadas à infância e à juventude.

    Marcel Hoppe, meu particular amigo e incentivador do estudo das temáticas do novo direito da criança e do adolescente, esclarece em sua obra intitulada Intervenção técnica uma das melhores sobre o tema, que o quadro técnico interprofissional se justifica em face da existência nos processos de aspectos referentes a determinadas situações que, para melhor compreensão, exige conhecimentos específicos de outras áreas profissionais que não a jurídica.

    Por este motivo, o magistrado com competência da Justiça da Infância e da Juventude deverá ter à disposição uma equipe de especialistas que, à luz de conhecimentos técnicos, verificará as questões que refogem ao seu conhecimento jurídico.

    Trata-se de um assessoramento técnico-científico. Portanto, as atividades desenvolvidas pelos profissionais que integram tal equipe constituem-se num serviço auxiliar da Justiça Infanto-juvenil.

    O legislador infraconstitucional ao regulamentar o artigo 227 da Lei Maior do país, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, inseriu a equipe interprofissional, especificamente, na Seção III, dos Serviços Auxiliares, pertencente ao Capítulo II, Da Justiça da Infância e da Juventude, do Título VI, Do Acesso à Justiça, no Livro II, de sua Parte Especial. Não só reconheceu sua existência como elencou suas atribuições, conforme se depreende da leitura dos seus artigos 150 e 151.

    Por isso, no ensaio anterior afirmei a necessidade dos Tribunais de Justiça de manterem uma equipe interprofissional permanente e ligada diretamente ao juiz que exerça a Justiça Infanto-juvenil. A equipe deve ficar subordinada administrativa e tecnicamente àquele, ressalvada a garantia da livre manifestação do ponto de vista técnico.

    Inovação salutar acha-se no artigo 150 do ECA. O mencionado diploma legal determinou ao Poder judiciário que na elaboração de sua proposta orçamentária, inclua a previsão de recursos para manutenção de equipe interprofissional. Esta regra reforça o entendimento da obrigatoriedade de se ter uma equipe técnica nas varas com competência infanto-juvenil. Sua existência não se trata de uma faculdade, mas de um dever ao gestor maior do tribunal, sob pena de responsabilidade.

    Chamo atenção para o fato de que o próprio Estatuto faz várias referências a estudos sociais e a laudos, tanto na esfera penal juvenil quanto cível, como se observa dos artigos 161, § 1º, 167 e 186, § 4º.A implantação da equipe interprofissional na Justiça Infanto-juvenil não se presta apenas a atender as exigências das Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça da Infância e da Juventude e da Constituição Federal, mas, sobretudo, para dar eficácia às normas previstas no ECA e operacionalizar o sistema de justiça.

    Pergunta recorrente que me fazem nas palestras que profiro pelo país afora sobre temas ligados aos serviços auxiliares, é identificar a natureza jurídica do laudo emitido pela equipe interprofissional que atua na Justiça da Infância e da Juventude.

    Tenho respondido que o laudo emitido pela equipe interprofissional tem natureza de perícia, ou seja, de um exame técnico, feito por perito, consistente num estudo para conhecer melhor o contexto jovem-família-sociedade para emitir um parecer condizente a cada situação, considerando as peculiaridades de cada caso, segundo Marcel Hoppe.

    Os profissionais que integram tal equipe são considerados peritos, pois se acham habilitados para fazer o exame de caráter técnico e especializado, a denominada perícia. Ao realizar esta, o especialista poderá utilizar-se de todos os meios necessários para colher as informações, como ouvir testemunhas, solicitar documentos que estejam em poder de partes e outros, visitar o domicílio da criança e do adolescente, sua escola e etc, que serão submetidas por meio de um laudo à autoridade judiciária,

    Então, a finalidade do laudo é levar ao julgador elementos instrutórios que dependem de conhecimentos especiais de ordem técnica que ajudarão na formação de seu convencimento e na elaboração de uma decisão mais justa. Em síntese, o laudo é um meio probatório consistente em esclarecimentos técnicos ao juiz, elaborado por perito oficial ou por pessoa habilitada.

    Outra inquietação sobre este tema e que causa grandes debates acha-se em saber se o juiz da infância e da juventude está sujeito ou não ao laudo de sua equipe interprofissional. Para construção da resposta partirei do seguinte março teórico: ao ECA aplica-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente.

    Dessa forma, quando o operador do novo direito da criança e do adolescente defrontar-se com tema sobre matéria procedimental de caráter civil ou penal juvenil não regulado no Estatuto, fica permitido utilizar-se do Código de Processo Civil ou do Código de Processo Penal, respectivamente.

    A legislação brasileira adotou, majoritariamente, o sistema da livre apreciação da prova, como se depreende do comando do artigo 93, IX da Constituição Federal, e dos artigos 131 e 436 do CPC e 157 e 182 do CPP. Como o Estatuto em nenhum momento tratou explicitamente deste tema, pode-se concluir pela aplicação subsidiária do sistema da livre apreciação da prova aos procedimentos da área infanto-juvenil.

    Logo, por este sistema, entendo que o juiz da infância e da juventude não está adstrito ao laudo pericial, podendo, para formação de seu convencimento, valer-se de outros elementos de prova existentes nos autos. Mas, o que significa o sistema do livre convencimento motivado ou também chamado da persuasão racional? E qual seu limite?

    Existem três sistemas de avaliação da prova: o da livre convicção, o da prova legal e o da persuasão racional. No primeiro, o método empregado é o da valoração livre ou da íntima convicção do magistrado. Este sistema prevalece no Tribunal do Júri, onde os jurados não motivam o voto.

    No segundo, as provas produzidas no processo possuem um determinado valor preestabelecido na lei, ou seja, o juiz fica adstrito ao critério fixado pelo legislador, restringindo-o na sua missão de julgar. Neste sistema, o método está ligado à valoração taxada ou tarifada da prova.

    Já no último, temos um método misto, onde ao magistrado é dada a permissão para decidir a causa de acordo com seu livre convencimento, no entanto, deverá fundamentá-lo. Este sistema também é conhecido como do convencimento racional, livre convencimento motivado, apreciação fundamentada ou prova fundamentada, e será sobre este que fundamentarei minhas observações sobre esta temática, por reger a avaliação da prova pelo juiz da infância e da juventude no Brasil.

    Ada Pellegrini Grinover, minha professora de teoria geral do processo no doutorado, abordando o princípio da persuasão racional doutrina que o juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos (quod non est in actis non est in mundo), mas sua apreciação não depende de critérios legais determinados a priori. O juiz só decide com base nos elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e racionais. Portanto, a liberdade de convicção não equivale a uma formação arbitrária, uma vez que este convencimento deve ser motivado.

    No mesmo sentido são as lições de Guilherme de Souza Nucci, ao tratar desse sistema no CPP, entende que possa o magistrado decidir a matéria que lhe é apresentada de acordo com sua convicção, analisando e avaliando a prova sem qualquer freio ou método previamente imposto pela lei. Seu dever é fundamentar a decisão, dando-lhe, pois, respaldo constitucional.

    Desses ensinamentos tiro duas conclusões que recaem sobre a avaliação do laudo da equipe interprofissional pelo juiz da infância da infância e da juventude ou daquele que exerça essa função: a primeira, que não estará ele adstrito ao laudo de sua equipe técnica; e a segunda, que poderá não só rejeitá-lo integralmente, mas também parte dele.

    Na verdade, será o conjunto probatório o guia do magistrado que atua na Justiça da Infância e da Juventude e não unicamente o laudo da equipe interprofissional. Claro que, ao recusar o laudo da equipe técnica, o juiz da infância e da juventude terá que indicar na sentença, de modo satisfatório, os motivos de seu convencimento, sob pena de violação da parte final do artigo 131 e do artigo 458, II, ambos do CPC.

    Isto significa que será impossível ao juiz desqualificar o laudo sem o devido lastro para tanto. Os motivos para apoiar uma desqualificação do laudo técnico devem ser compatíveis com a realidade dos autos.

    * Professor de Direito da Criança e do Adolescente da UFRR, UERR e Estácio/Atual da Amazônia - Desembargador do Tribunal de Justiça de Roraima - Diretor da Escola do Judiciário de Roraima e Foi juiz da infância e da juventude de Boa Vista/RR de 1991 a 1999 - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

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